ASSISTÊNCIA EM EXAMES LABORATORIAIS
A hematologia é a área da patologia clínica que se dedica ao estudo dos elementos figurados do sangue, ou seja, das células sanguíneas, bem como às alterações morfológicas e quantitativas que ocorrem em diferentes estados fisiológicos e patológicos. Entre os exames mais solicitados na prática clínica estão o hemograma completo e suas frações, como a contagem de plaquetas e leucócitos, que oferecem informações essenciais para o diagnóstico, acompanhamento e prognóstico de diversas doenças.
O hemograma é um exame laboratorial que analisa, de maneira quantitativa e qualitativa, os componentes do sangue: eritrócitos (glóbulos vermelhos), leucócitos (glóbulos brancos) e plaquetas. Ele é frequentemente utilizado como exame de triagem, dada sua capacidade de revelar sinais iniciais de infecções, inflamações, anemias, distúrbios da coagulação e doenças hematológicas como leucemias e linfomas. Por ser um exame simples, rápido e de ampla aplicabilidade, integra o conjunto de exames básicos na avaliação do estado geral de saúde do paciente.
A análise do hemograma é composta por três grandes grupos de parâmetros: a série vermelha, a série branca e a série plaquetária. A série vermelha refere-se aos glóbulos vermelhos ou hemácias, incluindo medições como número de eritrócitos, hemoglobina, hematócrito e índices hematimétricos. Esses dados são fundamentais na identificação de anemias, policitemias e distúrbios relacionados ao transporte de oxigênio no organismo.
A série branca, por sua vez, diz respeito à contagem de leucócitos, células do sistema imunológico responsáveis pela defesa contra infecções, corpos estranhos e células alteradas. A contagem de leucócitos total (leucograma) indica a quantidade global de glóbulos brancos por milímetro cúbico de sangue e pode revelar quadros como leucocitose (aumento dos leucócitos), geralmente associada a infecções bacterianas, inflamações agudas, uso de certos medicamentos ou neoplasias hematológicas; ou leucopenia (diminuição dos leucócitos), comumente observada em infecções virais, uso de quimioterápicos ou distúrbios imunológicos.
O leucograma também compreende a diferenciação entre os tipos de leucócitos: neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos. Cada tipo celular possui funções distintas e sua variação quantitativa pode indicar diferentes processos patológicos. Por exemplo, neutrofilia costuma estar associada a
infecções bacterianas e processos inflamatórios agudos, enquanto linfocitose é frequentemente observada em infecções virais. A eosinofilia pode indicar quadros alérgicos ou parasitoses, e a presença anormal de células imaturas no sangue periférico pode ser sugestiva de doenças hematológicas malignas.
Já a contagem de plaquetas, ou trombócitos, integra a série plaquetária e está diretamente relacionada à função hemostática do organismo. As plaquetas são fragmentos citoplasmáticos derivados de megacariócitos, cuja principal função é participar do processo de coagulação sanguínea e formação do tampão plaquetário em casos de lesão vascular. Alterações em sua quantidade podem indicar risco de sangramentos ou tromboses. A trombocitopenia, caracterizada por baixa contagem de plaquetas, pode estar relacionada a infecções virais, doenças autoimunes, uso de medicamentos ou doenças da medula óssea. Já a trombocitose, ou aumento do número de plaquetas, pode ocorrer em resposta a processos inflamatórios, hemorragias agudas ou em síndromes mieloproliferativas.
A realização do hemograma exige cuidados específicos desde a coleta até a análise. A amostra de sangue deve ser coletada em tubo com anticoagulante apropriado (geralmente EDTA), armazenada e transportada de forma adequada para evitar hemólise ou alterações celulares. O exame pode ser realizado de forma automatizada, por meio de analisadores hematológicos, e complementado por exame microscópico de esfregaço sanguíneo, especialmente em casos de suspeita de alterações morfológicas ou presença de células imaturas.
Para que os resultados sejam clinicamente úteis, é imprescindível que os profissionais envolvidos — técnicos, auxiliares e analistas — estejam capacitados para reconhecer interferências pré-analíticas, interpretar valores de referência com base no perfil do paciente e comunicar, quando necessário, resultados críticos de forma imediata à equipe assistencial. Além disso, o hemograma deve sempre ser interpretado em conjunto com a história clínica e outros exames laboratoriais, evitando conclusões precipitadas.
Em suma, o hemograma, incluindo a contagem de leucócitos e plaquetas, é uma ferramenta indispensável na prática clínica e na medicina diagnóstica. Seu valor reside tanto na sua sensibilidade para detectar alterações precoces quanto na sua simplicidade, acessibilidade e baixo custo. A correta execução, interpretação e integração com o contexto clínico conferem a esse exame um papel central na medicina
preventiva, diagnóstica e de monitoramento terapêutico.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual Técnico de Hematologia. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
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RIBEIRO, M. A.; CAMPOS, L. M. Análises hematológicas: teoria e prática. São Paulo: Atheneu, 2020.
SOUZA, M. M. R.; OLIVEIRA, A. L. Hemograma: interpretação e aplicações clínicas. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 54, n. 2, p.
78–86, 2022.
A bioquímica clínica é uma das principais áreas das análises laboratoriais e
tem como objetivo a identificação e quantificação de substâncias químicas presentes nos líquidos corporais, sobretudo no sangue. Os exames bioquímicos fornecem informações fundamentais para o diagnóstico, acompanhamento e prevenção de diversas doenças. Entre os exames mais frequentemente solicitados pela prática médica estão a dosagem de glicemia, colesterol, ureia e creatinina, que avaliam o metabolismo da glicose, lipídios e a função renal.
A glicemia corresponde à concentração de glicose no sangue. A glicose é o principal substrato energético das células e sua manutenção em níveis adequados é vital para o funcionamento do organismo. A dosagem de glicemia é um dos exames mais utilizados na rotina laboratorial, sendo indispensável no diagnóstico e controle do diabetes mellitus.
A glicemia pode ser avaliada em diferentes contextos: em jejum, após sobrecarga de glicose (teste oral de tolerância à glicose), ou aleatoriamente. A dosagem em jejum é a mais comum e consiste na coleta de sangue após um período de 8 a 12 horas sem ingestão de alimentos. Valores persistentemente elevados podem indicar hiperglicemia, que pode estar associada ao diabetes, ao uso de determinados medicamentos ou a distúrbios endócrinos. Por outro lado, a hipoglicemia (glicemia reduzida) pode ocorrer em casos de jejum prolongado, uso excessivo de insulina, alcoolismo ou distúrbios hepáticos.
O exame de glicemia é amplamente utilizado também para monitorar a resposta terapêutica em pacientes diabéticos, devendo ser interpretado juntamente com outros parâmetros, como a hemoglobina glicada e os sintomas clínicos do paciente.
O colesterol é um lipídio essencial para diversas funções biológicas, incluindo a síntese de hormônios esteroides, ácidos biliares e vitamina D. No entanto, seus níveis elevados no sangue estão fortemente associados ao
desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como aterosclerose, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.
O exame de colesterol geralmente compreende o perfil lipídico, que inclui o colesterol total e suas frações: LDL (lipoproteína de baixa densidade), HDL (lipoproteína de alta densidade) e triglicerídeos. O LDL é considerado o principal fator de risco cardiovascular, pois está associado à formação de placas de gordura nas artérias. Já o HDL possui efeito protetor, por facilitar a remoção do excesso de colesterol do sangue e levá-lo ao fígado para excreção. Os triglicerídeos, por sua vez, são formas de armazenamento de energia e também devem ser monitorados, sobretudo em indivíduos com risco metabólico.
A interpretação do colesterol depende de múltiplos fatores, como idade, presença de comorbidades, histórico familiar e hábitos de vida. A orientação do jejum para coleta pode variar conforme os protocolos laboratoriais e as recomendações clínicas, mas é frequentemente mantida para os triglicerídeos.
A ureia é um composto nitrogenado resultante do metabolismo das proteínas e é excretada principalmente pelos rins. A dosagem de ureia no sangue, conhecida como ureia sérica, é um dos exames mais utilizados na avaliação da função renal. Quando os rins não conseguem eliminar adequadamente os produtos residuais do metabolismo, os níveis de ureia tendem a se elevar no sangue.
Apesar de útil, a ureia é considerada um marcador menos específico da função renal do que a creatinina, pois seus níveis também podem ser influenciados por fatores não renais, como ingestão proteica elevada, sangramentos digestivos, febre e uso de corticosteroides. Por esse motivo, a ureia deve ser interpretada em conjunto com outros exames e com base no quadro clínico do paciente.
A elevação da ureia é denominada uremia e pode estar associada à insuficiência renal aguda ou crônica, desidratação, obstrução urinária e outras condições. Já níveis reduzidos de ureia podem ocorrer em doenças hepáticas graves, desnutrição ou uso de terapias dialíticas.
A creatinina é outro marcador amplamente utilizado para avaliação da função renal. Trata-se de um produto da degradação da creatina fosfato nos músculos, sendo eliminado quase exclusivamente pelos rins. Como sua produção é relativamente constante e proporcional à massa muscular, a creatinina é considerada um dos melhores indicadores laboratoriais da taxa de filtração glomerular (TFG).
Valores elevados de creatinina indicam uma
elevados de creatinina indicam uma redução na capacidade dos rins de filtrar e excretar substâncias, sendo observados em diversas formas de insuficiência renal. Ao contrário da ureia, a creatinina é menos sensível a variações alimentares ou metabólicas, o que aumenta sua confiabilidade diagnóstica. No entanto, seus valores podem variar conforme o sexo, idade e composição corporal do paciente, exigindo ajustes e cálculos complementares para uma avaliação mais precisa da função renal, como o uso de estimativas da TFG.
Em muitos casos, a análise conjunta de ureia e creatinina, associada ao exame de urina e ao histórico clínico, permite a detecção precoce de alterações renais e o monitoramento da evolução de doenças crônicas.
Os exames bioquímicos de glicemia, colesterol, ureia e creatinina são fundamentais na prática clínica diária, pois fornecem informações objetivas sobre o estado metabólico e funcional do organismo. Sua realização exige preparo adequado do paciente, conhecimento técnico por parte da equipe laboratorial e interpretação criteriosa por profissionais de saúde. Além disso, os valores obtidos devem ser analisados em conjunto com a história clínica, fatores de risco e demais achados laboratoriais e de imagem.
O papel do profissional auxiliar e técnico nos laboratórios inclui a correta identificação do paciente, orientação quanto ao jejum, coleta adequada das amostras, registro preciso das informações e encaminhamento dos materiais segundo os protocolos de biossegurança. A confiabilidade dos resultados depende, em grande parte, da competência e atenção às rotinas laboratoriais.
Referências bibliográficas:
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A análise laboratorial de materiais biológicos representa um importante recurso auxiliar no diagnóstico clínico, na prevenção de doenças e no monitoramento da saúde do paciente. Entre os exames laboratoriais mais comuns e acessíveis estão a urinálise e os exames parasitológicos, que
possibilitam, de forma não invasiva, a identificação de alterações no trato urinário e a detecção de parasitas intestinais ou suas formas evolutivas, contribuindo diretamente para a conduta médica e para o controle epidemiológico de enfermidades infecciosas.
A urinálise, também conhecida como exame de urina tipo I ou exame de rotina de urina, é um procedimento diagnóstico destinado à avaliação das características físico-químicas e microscópicas da urina. Trata-se de um exame simples, de baixo custo, mas com grande valor clínico, utilizado tanto na triagem de doenças quanto no acompanhamento de condições já diagnosticadas.
A amostra mais adequada para a realização do exame é a primeira urina da manhã, preferencialmente colhida no jato médio, com higiene prévia da região genital. A coleta correta é fundamental para evitar contaminações que possam interferir na interpretação dos resultados. A urinálise compreende três fases distintas: análise física, análise química e exame microscópico do sedimento urinário.
A análise física inclui a avaliação da cor, aspecto, densidade e volume da urina. Alterações como urina turva, presença de sedimentos ou variações na coloração podem indicar processos infecciosos, presença de cristais, sangue ou metabólitos anormais. A análise química é realizada com auxílio de fitas reagentes que detectam parâmetros como pH, glicose, proteínas, cetonas, bilirrubinas, urobilinogênio, nitrito e leucócitos. Esses dados são úteis na detecção de diabetes mellitus, doenças renais, infecções urinárias e distúrbios hepáticos.
Já o exame microscópico do sedimento urinário permite a visualização de elementos como hemácias, leucócitos, cilindros, cristais, células epiteliais e micro-organismos. A presença aumentada de leucócitos e bactérias pode confirmar um quadro de infecção do trato urinário, enquanto a identificação de cilindros pode sugerir lesões renais mais específicas. Cristais podem indicar distúrbios metabólicos ou risco de formação de cálculos renais.
A urinálise é, portanto, um exame que, apesar de sua simplicidade, fornece um panorama abrangente da função renal e do estado geral de saúde do sistema urinário. Seu valor está na facilidade de execução, na rapidez dos resultados e na capacidade de fornecer dados relevantes mesmo em estágios iniciais de doenças.
Os exames parasitológicos, por sua vez, são métodos laboratoriais destinados à identificação de parasitas intestinais e suas formas evolutivas (ovos,
cistos, trofozoítos e larvas) em amostras biológicas, sobretudo fezes. Esses exames são fundamentais na detecção de enteroparasitoses, enfermidades de ampla ocorrência em regiões tropicais, fortemente relacionadas a condições de saneamento básico, higiene pessoal, acesso à água potável e educação sanitária.
O exame parasitológico de fezes pode ser realizado por diferentes métodos, sendo o mais comum o método de concentração, que aumenta a sensibilidade do exame ao permitir a detecção de parasitas mesmo em infecções com baixa carga parasitária. A coleta deve ser feita em frascos apropriados, fornecidos pelo laboratório, com orientação clara ao paciente para evitar contaminação da amostra com urina, água ou produtos de limpeza. Em alguns casos, pode ser necessária a coleta de amostras em dias alternados para aumentar a chance de detecção.
Entre os parasitas mais frequentemente identificados estão os protozoários, como Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Balantidium coli, e os helmintos, como Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, Ancylostoma duodenale e Enterobius vermicularis. A identificação é realizada por meio de exame microscópico após tratamento da amostra com reagentes específicos, que permitem a separação e visualização das estruturas parasitárias.
A interpretação dos resultados deve considerar a história clínica do paciente, a presença de sintomas gastrointestinais, a intensidade da infestação e o padrão epidemiológico da região. A detecção de parasitas patogênicos justifica tratamento antiparasitário específico, além de medidas de controle coletivo, como campanhas de desparasitação em escolas e intervenções em saúde pública.
Além das fezes, em situações especiais, exames parasitológicos podem ser realizados com amostras de urina, escarro, aspirado duodenal ou material de lesões cutâneas, a depender do ciclo biológico do agente etiológico. A coleta e o manuseio dessas amostras requerem preparo técnico adequado e conhecimento sobre as condições ideais de transporte e conservação.
A importância dos exames parasitológicos vai além da abordagem individual do paciente, pois contribuem para a vigilância epidemiológica e para o planejamento de estratégias coletivas de prevenção, especialmente em comunidades com alta prevalência de parasitoses. A integração com programas de saúde escolar, saneamento básico e educação ambiental é essencial para a redução da carga parasitária na população.
Tanto a urinálise quanto os exames
parasitológicos são procedimentos laboratoriais fundamentais para a prática clínica, destacando-se por sua simplicidade, baixo custo e grande valor diagnóstico. A eficácia desses exames depende da adequada preparação do paciente, da correta coleta e conservação das amostras e da qualificação técnica dos profissionais envolvidos.
O profissional auxiliar de laboratório tem papel estratégico na orientação ao paciente, no preparo do material, no registro das informações e na triagem adequada das amostras. A atenção aos detalhes, o cumprimento dos protocolos de biossegurança e a comunicação clara com o paciente são componentes indispensáveis para assegurar a confiabilidade dos resultados e a segurança de todo o processo.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Coleta de Material Biológico para Exames Laboratoriais. Brasília: MS, 2002.
NEVES, D. P. Parasitologia Humana. 13. ed. São Paulo: Atheneu, 2016.
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BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 302, de 13 de outubro de 2005. Dispõe sobre o regulamento técnico para funcionamento de laboratórios clínicos.
Preparação dos Materiais e Organização do Ambiente
A eficiência, a segurança e a confiabilidade dos procedimentos laboratoriais dependem, de maneira significativa, da adequada preparação dos materiais e da organização do ambiente de trabalho. Essas atividades, embora frequentemente percebidas como rotinas operacionais, constituem a base sobre a qual se sustenta todo o fluxo de exames, influenciando a qualidade analítica, a integridade das amostras, a biossegurança e até a satisfação dos profissionais que atuam no laboratório.
A organização do laboratório deve seguir princípios de ordenamento físicofuncional que facilitem o fluxo unidirecional das amostras — da recepção à liberação dos resultados — evitando cruzamentos de materiais limpos e contaminados. Setores como triagem, pré-análise, análise, pós-análise, armazenamento e descarte devem estar claramente delimitados, com sinalização visível e acesso controlado. Essa disposição reduz o risco de contaminação cruzada, otimiza o tempo de execução e favorece a rastreabilidade das etapas.
Metodologias administrativas de melhoria contínua, como o 5S (senso de utilização, ordenação, limpeza, padronização e disciplina), podem ser aplicadas ao contexto
laboratorial para orientar o descarte de itens obsoletos, padronizar o posicionamento de instrumentos, manter a limpeza cotidiana e cultivar uma cultura de disciplina entre os colaboradores. A adoção do 5S está alinhada às exigências de sistemas da qualidade, como a ISO 15189 e a RDC nº 302/2005 da ANVISA, que demandam ambientes controlados, documentados e auditáveis.
A preparação dos materiais começa pelo controle de estoque — etapa que envolve previsão de consumo, armazenamento adequado e verificação sistemática das datas de validade de reagentes, kits de diagnóstico, calibradores e controles internos. Inventários eletrônicos, integrados a sistemas de informação laboratorial, permitem o monitoramento em tempo real e a configuração de alertas para reposição antes que haja ruptura de estoque.
Posteriormente, a equipe deve realizar a checagem de integridade dos materiais antes do uso. Embalagens violadas, reagentes com turvação ou insumos fora da validade devem ser segregados e descartados conforme o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS). Essa inspeção visual é complementar às verificações documentais, evitando erros analíticos causados por insumos comprometidos.
Para reagentes que necessitam de reconstituição ou diluição, é imprescindível seguir as instruções do fabricante quanto a volumes, solventes, temperatura e tempo de estabilização. A anotação em rótulo secundário da data e hora de preparação, lote de origem e identificação do técnico responsável reforça a rastreabilidade. Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) devem detalhar cada passo, garantindo uniformidade entre diferentes membros da equipe.
A organização do ambiente inclui a alocação lógica dos equipamentos analíticos em bancadas firmes, com distâncias calculadas para permitir ventilação adequada, fácil acesso a pontos de energia estabilizada, água destilada e sistemas de exaustão, quando necessários. Antes do início do turno, é obrigatório executar rotinas de calibração e verificação de performance conforme cronograma estipulado pelo fabricante e pelo Programa de Garantia da Qualidade (PGQ) do laboratório. O registro destas rotinas em planilhas ou sistemas dedicados assegura evidências para auditorias internas e externas, garantindo que os resultados emitidos sejam tecnicamente defensáveis.
Áreas de armazenamento de amostras devem dispor de
freezers, geladeiras ou estantes climatizadas com controle independente de temperatura, termômetros calibrados e alarmes visuais/auditivos. As amostras devem ser organizadas em caixas rotuladas por data de recebimento e tipo de material, respeitando prazos máximos de conservação. Da mesma forma, a área de lavagem precisa estar separada das bancadas analíticas, equipada com tanques, autoclaves ou lava-louças automatizadas, garantindo a descontaminação adequada de vidrarias e utensílios reutilizáveis.
A preparação de materiais também inclui a rotina de limpeza das superfícies e instrumentos, utilizando desinfetantes aprovados pela ANVISA e compatíveis com cada área: concentração alcoólica a 70 %, soluções de hipoclorito ou compostos quaternários de amônio, conforme risco envolvido. A frequência — diária, entre procedimentos ou semanal — deve constar nos POPs, com registro em planilhas assinadas por quem executa e por quem confere.
Simultaneamente, a equipe deve respeitar o uso de EPIs definido para cada setor: luvas, aventais, máscaras, proteções faciais e calçados fechados. O correto dimensionamento de dispensadores, coletores de perfurocortantes e lixeiras segregadas reforça a organização do ambiente e minimiza acidentes.
Toda rotina de preparação e organização exige documentação rigorosa. POPs devem ser revisados periodicamente; registros de manutenção, controle de temperatura e consumo de reagentes devem ser arquivados pelo tempo mínimo previsto em legislação. A elaboração de checklists diários contribui para padronizar inspeções e prevenir esquecimentos.
O treinamento inicial e a reciclagem periódica dos colaboradores garantem que todos conheçam as rotinas, saibam localizar materiais rapidamente e possuam senso de responsabilidade sobre a organização coletiva. A cultura de “primeiro a segurança, depois a qualidade” deve ser reforçada em reuniões de equipe e via indicadores de desempenho, como número de não conformidades ou tempo de setup de bancada.
A preparação cuidadosa dos materiais e a organização sistemática do ambiente laboratorial não apenas reduzem erros analíticos e tempo ocioso, mas também promovem segurança, bem-estar da equipe e confiança dos usuários nos resultados emitidos. Tais práticas requerem planejamento, disciplina e comprometimento institucional, sendo monitoradas continuamente pelos sistemas de gestão da qualidade. Quando bem implementadas, refletem
uma postura profissional alinhada às melhores práticas internacionais e à legislação sanitária vigente.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 302/2005 – Regulamento Técnico para funcionamento de Laboratórios Clínicos. Diário Oficial da União, Brasília, 14 out. 2005. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO
15189:2012 – Medical laboratories – Requirements for quality and competence. Geneva: ISO, 2012.
CLINICAL AND LABORATORY STANDARDS INSTITUTE. GP05-A3 – Clinical laboratory waste management. Wayne, PA: CLSI, 2011. MANZINI, M.; LOPES, C. C. Gestão em laboratórios clínicos: qualidade, biossegurança e acreditação. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2019. HERNANDES, L. S.; OLIVEIRA, A. M. Aplicação do método 5S em laboratórios de análise clínica: impactos na eficiência e na segurança. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 55, n. 4, p. 321-328, 2023.
A coleta de material biológico é uma das etapas mais críticas no processo de realização de exames laboratoriais. Trata-se do momento em que se inicia a geração da amostra que será analisada, e, portanto, qualquer erro ou descuido pode comprometer seriamente a confiabilidade do resultado. Neste contexto, a atuação do profissional responsável pela coleta, muitas vezes um biomédico, técnico de laboratório, enfermeiro ou flebotomista, exige precisão técnica, atenção às normas de biossegurança e abordagem humanizada ao paciente. Porém, para que esse processo ocorra com eficiência, segurança e agilidade, a assistência prestada por auxiliares de laboratório é de fundamental importância.
A assistência ao profissional de coleta engloba uma série de atividades organizacionais, operacionais e colaborativas que têm por objetivo preparar o ambiente, disponibilizar os materiais adequados, apoiar os procedimentos e garantir que as rotinas sejam executadas dentro dos padrões técnicos e legais estabelecidos. O auxiliar que atua nessa função não realiza a coleta propriamente dita (a menos que esteja legalmente habilitado para isso), mas colabora ativamente em todas as etapas adjacentes, desempenhando um papel essencial para a fluidez do atendimento.
Antes mesmo do início da coleta, o auxiliar deve organizar o ambiente de trabalho. Isso inclui a higienização das bancadas, verificação da limpeza das cadeiras e superfícies de apoio, reposição de materiais descartáveis e disponibilidade de
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Os materiais para coleta — tubos, seringas, agulhas, algodão, álcool, etiquetas de identificação, torniquetes e recipientes para descarte — devem estar organizados de forma acessível, padronizada e segura.
Cabe ao auxiliar também verificar se os kits e insumos estão dentro do prazo de validade, em boas condições físicas e de acordo com o tipo de exame que será realizado. Em muitos laboratórios, o auxiliar é responsável por montar bandejas de coleta personalizadas, conforme a solicitação médica, otimizando o tempo do profissional coletador e reduzindo o risco de erros.
Durante a coleta, a presença do auxiliar contribui para o bom andamento do atendimento. Ele pode colaborar com o acolhimento do paciente, orientando sobre a posição correta na cadeira, auxiliando com a retirada de vestimentas que dificultem o acesso ao local da punção e oferecendo conforto em situações de nervosismo, medo ou fragilidade. Esse apoio emocional, ainda que indireto, é importante para garantir a tranquilidade do paciente e evitar intercorrências como desmaios ou reações vasovagais.
Em casos específicos, o auxiliar pode ainda ser solicitado a segurar o braço do paciente, especialmente quando se trata de crianças, idosos ou pessoas com mobilidade reduzida, sempre com o cuidado de não interferir no campo estéril ou nos movimentos técnicos do coletador. Situações de emergência, como sangramentos inesperados ou mal-estar do paciente, também demandam a ação rápida e coordenada do auxiliar, seja acionando os profissionais responsáveis, buscando materiais adicionais ou ajudando na contenção e estabilização da situação.
Encerrado o procedimento de coleta, o auxiliar é o responsável pela organização e limpeza do local, descarte adequado dos materiais utilizados (como agulhas e algodões contaminados) em recipientes próprios para resíduos perfurocortantes e infectantes, e pela reposição dos materiais para o próximo atendimento. Essa rotina deve seguir os protocolos de biossegurança e estar documentada em registros internos, conforme previsto na legislação sanitária e nos sistemas de qualidade adotados.
Outra função importante do auxiliar no pós-coleta é o encaminhamento das amostras ao setor de triagem ou análise, garantindo que estejam corretamente identificadas, em recipientes íntegros e transportadas dentro dos prazos e condições exigidos (como temperatura controlada, em casos
específicos). A conferência entre as etiquetas, os pedidos médicos e os dados dos pacientes é indispensável para assegurar a rastreabilidade e evitar trocas de amostras.
A assistência eficaz ao profissional de coleta depende de uma comunicação clara e respeitosa entre os membros da equipe. O auxiliar deve estar atento às necessidades do coletador, antecipando demandas e solucionando pequenos problemas operacionais que possam surgir. Ao mesmo tempo, deve respeitar os limites de sua função, sem ultrapassar as atribuições legais que regulam sua atuação.
O trabalho em equipe, quando bem estruturado, permite não apenas um atendimento mais ágil e seguro, mas também a valorização de todos os profissionais envolvidos, criando um ambiente cooperativo e eficiente. A supervisão e a orientação contínua dos profissionais responsáveis pela coleta também são essenciais para o aprimoramento do desempenho dos auxiliares, promovendo aprendizado prático, desenvolvimento técnico e alinhamento com os objetivos institucionais.
A assistência ao profissional responsável pela coleta é uma atividade que exige zelo, comprometimento, atenção aos detalhes e postura ética. Embora muitas vezes realizada nos bastidores, ela é essencial para a segurança do paciente, a integridade das amostras e a qualidade dos resultados laboratoriais. Investir na capacitação, valorização e supervisão desses profissionais é uma estratégia eficiente para garantir um serviço laboratorial de excelência, pautado pela eficiência operacional, humanização do atendimento e conformidade com as normativas sanitárias vigentes.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 302, de 13 de outubro de 2005. Dispõe sobre o regulamento técnico para funcionamento de laboratórios clínicos.
SANTOS, G. M.; OLIVEIRA, D. C. Procedimentos de coleta e apoio técnico em laboratórios clínicos. São Paulo: Editora Rubio, 2018.
RIBEIRO, A. C.; LIMA, V. L. Boas práticas de assistência em coleta laboratorial. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 56, n. 1, p. 32–39, 2023.
FREITAS, V. L.; MELO, J. C. Organização e biossegurança em laboratórios clínicos. São Paulo: Atheneu, 2019.
O armazenamento e o transporte de amostras biológicas constituem etapas fundamentais no ciclo pré-analítico do processo laboratorial. A eficácia dessas etapas impacta diretamente a confiabilidade dos
exames realizados, uma vez que qualquer falha pode comprometer a integridade das amostras, alterar os resultados e, por consequência, afetar o diagnóstico clínico, o tratamento e o prognóstico do paciente. Por essa razão, a manipulação, conservação e o encaminhamento correto das amostras devem seguir protocolos rigorosos, baseados em normas técnicas e regulamentações sanitárias vigentes.
As amostras biológicas — que incluem sangue, urina, fezes, secreções, tecidos, líquidos corporais e outros materiais — são suscetíveis a alterações físico-químicas, degradações enzimáticas e contaminações, especialmente quando submetidas a temperaturas inadequadas, exposição à luz, tempo prolongado de espera ou manipulação incorreta. Tais alterações podem levar à hemólise, coagulação indevida, degradação de células ou crescimento bacteriano, interferindo nos parâmetros laboratoriais e comprometendo a acurácia dos exames.
Para preservar a viabilidade das amostras, é fundamental conhecer as características específicas de cada tipo de material, bem como os requisitos de conservação associados aos exames solicitados. Esse conhecimento deve fazer parte da formação de todos os profissionais envolvidos na rotina laboratorial, incluindo técnicos, auxiliares e pessoal da logística interna e externa.
O armazenamento adequado das amostras biológicas varia de acordo com o tipo de material e o tempo previsto entre a coleta e o processamento. Em geral, amostras de sangue total para hemograma devem ser mantidas refrigeradas entre 2 ºC e 8 ºC e analisadas em até 24 horas. Amostras para bioquímica ou sorologia requerem centrifugação prévia e conservação do soro ou plasma em condições específicas. Já as amostras de urina para exame de rotina devem ser analisadas em até duas horas após a coleta, ou mantidas refrigeradas para retardar o crescimento bacteriano e a degradação celular.
Os materiais devem ser devidamente identificados, armazenados em recipientes compatíveis, com tampa segura, e organizados em caixas ou bandejas que evitem tombamento ou contato direto entre os frascos. As geladeiras e freezers utilizados para armazenamento devem ser monitorados por termômetros calibrados, com registros periódicos da temperatura. É importante que os equipamentos tenham alarme de falha e estejam conectados a sistemas de energia ininterrupta, como no-breaks ou geradores, para garantir a conservação em caso de queda de energia.
Além
disso, deve haver segregação clara entre materiais infectantes e não infectantes, e entre amostras humanas e animais, quando aplicável. Também é necessário respeitar os prazos máximos de conservação de cada amostra, conforme estabelecido em literatura científica, instruções dos fabricantes de kits e normas institucionais.
O transporte de amostras deve ser realizado de maneira segura, padronizada e em conformidade com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), especialmente a Resolução RDC nº 20/2014, que trata do transporte de material biológico humano. Os objetivos centrais do transporte adequado são preservar as propriedades da amostra, evitar vazamentos, contaminações e garantir a rastreabilidade de cada item desde sua origem até o destino final.
As amostras devem ser acondicionadas em embalagens triplas, compostas por:
1. Recipiente primário — à prova de vazamento e devidamente identificado.
2. Embalagem secundária — resistente, selada, que contenha material absorvente em caso de vazamento.
3. Embalagem externa — rígida, rotulada, com identificação clara do conteúdo e do remetente/destinatário.
A temperatura durante o transporte deve ser controlada por meio de caixas isotérmicas com gelo reciclável, gelo seco (quando apropriado) ou elementos térmicos capazes de manter as faixas de temperatura exigidas pelos exames solicitados. É recomendável utilizar dataloggers ou indicadores térmicos que permitam rastrear eventuais variações de temperatura durante o trajeto.
O tempo de transporte deve ser o menor possível, e rotas otimizadas devem ser traçadas para garantir agilidade. As empresas terceirizadas de transporte de material biológico, quando contratadas, devem estar devidamente licenciadas e capacitadas, com veículos adaptados, documentação de autorização sanitária e treinamento específico dos condutores e auxiliares.
Todas as etapas do armazenamento e transporte devem ser documentadas, com registros que incluam data, hora, nome do responsável, condições ambientais, ocorrências e destino da amostra. Essa rastreabilidade é exigência legal e um dos principais critérios de qualidade e conformidade com programas de acreditação, como a ISO 15189.
A biossegurança é outro elemento central nesse processo. O manuseio das amostras deve ser realizado com uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como luvas, jaleco, máscara e óculos de proteção,
dependendo do risco envolvido. Qualquer vazamento, quebra de frasco ou acidente deve ser comunicado imediatamente à coordenação e registrado conforme protocolo de não conformidades.
Além disso, os colaboradores devem estar capacitados quanto aos procedimentos em caso de derramamento de material biológico, acidentes com perfurocortantes e contato acidental com amostras infectantes. A capacitação contínua da equipe é indispensável para garantir a segurança de todos os envolvidos e a confiabilidade dos resultados laboratoriais.
O armazenamento e o transporte adequado de amostras biológicas são etapas cruciais para a qualidade dos exames laboratoriais e a segurança dos profissionais, dos pacientes e da comunidade. A adoção de práticas rigorosas, o cumprimento das normas sanitárias e o investimento na capacitação das equipes são estratégias indispensáveis para assegurar que os materiais coletados mantenham suas características originais até o momento da análise. A eficiência dessas etapas está diretamente associada ao compromisso institucional com a excelência, a biossegurança e a ética no cuidado à saúde.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 20, de 10 de abril de 2014. Dispõe sobre o regulamento para o transporte de material biológico humano. Diário Oficial da União, Brasília, 11 abr. 2014.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 302, de 13 de outubro de 2005. Regulamento técnico para funcionamento de laboratórios clínicos.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO
15189:2012 – Medical laboratories – Requirements for quality and competence. Geneva: ISO, 2012.
SOUZA, A. C.; VASCONCELOS, M. E. A. Gestão e biossegurança no transporte de amostras clínicas. São Paulo: Atheneu, 2018.
RANGEL, M. C.; OLIVEIRA, J. R. Boas práticas laboratoriais: transporte e acondicionamento de amostras biológicas. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 55, n. 1, p. 29–35, 2022.