Introdução à Clínica Médica de Cães e Gatos

 INTRODUÇÃO À CLÍNICA MÉDICA DE CÃES E GATOS

 

Diagnóstico e Atendimento Clínico 

Exame Clínico Geral

  

O exame clínico geral é uma prática essencial na rotina veterinária, pois fornece informações iniciais sobre a saúde do animal e ajuda a identificar sinais precoces de doenças. Uma abordagem sistemática e cuidadosa garante um diagnóstico mais preciso e eficiente. A seguir, apresentamos o passo a passo do exame clínico, a avaliação dos sinais vitais e a identificação de sinais de doenças comuns em cães e gatos.

Passo a Passo do Exame Clínico em Cães e Gatos

O exame clínico deve seguir uma sequência lógica para garantir que nenhuma parte importante do corpo do animal seja negligenciada. Ele geralmente é dividido em etapas que cobrem todas as regiões e sistemas do organismo:

1.     Anamnese:

Antes do exame físico, é fundamental coletar informações detalhadas com o tutor, incluindo:

  • Histórico médico do animal.
  • Sinais clínicos observados, como alterações no apetite, comportamento ou aparência.
  • Condições ambientais e rotina diária.

2. Inspeção Geral:

  • Avaliação visual do estado geral do animal, incluindo postura, locomoção, comportamento, condição corporal e pelagem.
  • Identificação de sinais como emagrecimento, letargia ou alterações na pelagem e pele (como alopecia ou feridas).

3. Exame da Cabeça:

  • Olhos: Verificar clareza da córnea, presença de secreção ou sinais de inflamação.
  • Orelhas: Inspecionar o canal auditivo para identificar sinais de otite, secreção ou mau odor.
  • Boca: Avaliar mucosas (cor, umidade), dentes (presença de tártaro ou fraturas) e língua.

4. Exame do Pescoço e Linfonodos:

  • Palpar linfonodos superficiais (submandibulares, axilares, inguinais) para detectar aumento ou sensibilidade.
  • Avaliar a traqueia e o pescoço em busca de massas ou dor.

5. Exame Torácico:

  • Inspecionar a respiração (frequência, esforço e padrão).
  • Auscultar os pulmões e o coração com o estetoscópio, verificando sons respiratórios anormais (como crepitações ou sibilos) e possíveis sopros cardíacos.

6. Exame Abdominal:

  • Palpação abdominal para identificar dor, massas ou órgãos aumentados.
  • Observar a resposta do animal ao toque em diferentes regiões do abdômen.

7. Exame dos Membros e Locomoção:

  • Avaliar a integridade óssea e muscular, verificando sinais de claudicação, dor ou inflamação nas articulações.

8. Exame da Pele e Pelagem:

  • Inspecionar em busca de parasitas (pulgas, carrapatos), feridas, erupções ou descamações.
  • Avaliar a elasticidade da pele como indicador de hidratação.

9. Exame do Sistema Urogenital:

  • Verificar genitália externa para sinais de secreção, inchaço ou anormalidades.
  • Palpar a bexiga e avaliar a região perineal.

Avaliação dos Sinais Vitais

A verificação dos sinais vitais é uma etapa indispensável no exame clínico, pois fornece dados objetivos sobre o estado geral do paciente. Os parâmetros normais variam entre cães e gatos, e desvios desses valores podem indicar problemas de saúde.

1. Temperatura Corporal:

  • Normal:
    • Cães: 37,5°C a 39,2°C.
    • Gatos: 37,8°C a 39,5°C.
  • Alterações: Febre (hipertermia) pode indicar infecções, enquanto hipotermia pode ocorrer em casos de choque ou doenças graves.

2. Frequência Cardíaca (FC):

  • Normal:
    • Cães: 60 a 160 batimentos por minuto (variando com o porte).
    • Gatos: 120 a 220 batimentos por minuto.
  • Alterações: Taquicardia (FC elevada) pode ocorrer em situações de estresse, dor ou febre. Bradicardia (FC reduzida) pode ser um sinal de distúrbios cardíacos ou neurológicos.

3. Frequência Respiratória (FR):

  • Normal:
    • Cães: 10 a 30 movimentos respiratórios por minuto.
    • Gatos: 20 a 40 movimentos respiratórios por minuto.
  • Alterações: Respiração acelerada (taquipneia) pode indicar dor, estresse ou problemas respiratórios. Respiração dificultada (dispneia) requer atenção imediata.

4. Tempo de Reposição Capilar (TRC):

  • Normal: Menos de 2 segundos.
  • Avaliação feita pressionando a gengiva e observando o tempo para retorno da cor. Um TRC prolongado indica problemas de circulação.

5. Mucosas:

  • Normal: Rosa claro e úmidas.
  • Alterações:
    • Mucosas pálidas indicam anemia ou choque.
    • Mucosas cianóticas (azuladas) indicam baixa oxigenação.
    • Mucosas ictéricas (amareladas) sugerem problemas hepáticos.

Identificação de Sinais de Doenças Comuns

Durante o exame clínico, alguns sinais podem ser identificados como indicativos de condições específicas:

  • Doenças Infecciosas: Febre, apatia, secreções nasais e oculares.
  • Problemas Dermatológicos: Alopecia, coceira, lesões de pele.
  • Doenças Respiratórias: Tosse, dispneia, sons pulmonares anormais.
  • Doenças Cardiovasculares: Sinais de cansaço, tosse, sopros cardíacos.
  • Problemas Gastrointestinais: Vômitos, diarreia, dor abdominal.
  • Distúrbios Neurológicos: Ataxia, convulsões, reflexos alterados.

Conclusão

O exame clínico geral é a base para identificar alterações de saúde em cães e gatos. Realizado de forma sistemática, ele permite avaliar os sinais vitais e reconhecer sinais precoces de doenças. A prática desse procedimento, aliada ao conhecimento sobre parâmetros normais e anormais, é indispensável para um atendimento veterinário de qualidade.

 

Exames

Laboratoriais Básicos em Cães e Gatos

 

Os exames laboratoriais básicos são ferramentas indispensáveis para complementar o exame clínico e ajudar no diagnóstico de diversas condições em cães e gatos. Entre os mais comuns, destacam-se o hemograma, a bioquímica sérica e a análise de urina. A seguir, veremos os detalhes desses exames, como interpretar resultados iniciais e a importância de um manejo adequado e ético no recolhimento de amostras.

Principais Exames Complementares

Os exames laboratoriais fornecem informações detalhadas sobre o funcionamento dos órgãos e sistemas do animal.

1. Hemograma:

O hemograma avalia os componentes celulares do sangue e é útil para identificar:

  • Glóbulos vermelhos (eritrócitos): Determinam a oxigenação dos tecidos. Alterações, como anemia (nível reduzido) ou policitemia (nível aumentado), podem indicar doenças.
  • Glóbulos brancos (leucócitos): Refletem a resposta imunológica. A leucocitose (aumento) pode indicar infecções ou inflamações, enquanto a leucopenia (redução) pode ser sinal de imunossupressão.
  • Plaquetas: São responsáveis pela coagulação do sangue. Baixos níveis indicam riscos de sangramento.

2.     Bioquímica Sérica:

Este exame analisa os níveis de substâncias químicas no sangue para avaliar a função de órgãos como fígado, rins e pâncreas:

  • Enzimas hepáticas (ALT, AST, FA): Indicadores de saúde do fígado. Valores elevados podem sugerir hepatopatias.
  • Ureia e creatinina: Avaliam a função renal. Níveis altos indicam insuficiência renal ou desidratação.
  • Glicose: Importante para detectar diabetes ou hipoglicemia.
  • Eletrólitos (sódio, potássio, cálcio): Alterações sugerem problemas metabólicos ou eletrolíticos.

3.     Análise de Urina:

A urina reflete a função renal, além de fornecer informações sobre o trato urinário e o metabolismo:

  • Densidade urinária: Indica a capacidade de concentração dos rins.
  • pH urinário: Alterações podem indicar infecções ou formação de cálculos urinários.
  • Presença de proteínas, glicose, sangue ou cristais: Ajuda no diagnóstico de doenças como insuficiência renal, infecções e diabetes.
  • Sedimento urinário: Analisado ao microscópio, revela células, bactérias ou cristais.

Interpretação Inicial de Resultados Laboratoriais

A interpretação dos exames laboratoriais deve ser feita em conjunto com o exame clínico, considerando a história e os sintomas do animal.

1. Valores de Referência:

Os resultados devem ser comparados com os valores normais específicos para cães e gatos. Fatores como idade, raça e estado fisiológico (gestação,

lactação) podem influenciar os resultados.

2. Identificação de Padrões:

  • Alterações isoladas podem ter causas específicas, enquanto padrões de alterações (por exemplo, anemia associada a alterações nas enzimas hepáticas) indicam condições mais complexas.
  • Exemplo: Níveis altos de ureia e creatinina, associados a densidade urinária baixa, sugerem insuficiência renal.

3. Necessidade de Exames Complementares:

Resultados fora do padrão podem indicar a necessidade de exames adicionais, como ultrassonografia, radiografia ou testes mais específicos, para confirmar o diagnóstico.

Recolhimento de Amostras com Segurança e Ética

A coleta de amostras é uma etapa crítica no processo de realização dos exames laboratoriais. Deve ser feita com técnicas seguras, minimizando o desconforto do animal e garantindo resultados confiáveis.

1. Coleta de Sangue:

  • Local: A punção venosa é realizada, geralmente, na veia jugular ou cefálica.
  • Técnica: O uso de agulhas e seringas estéreis é essencial para evitar infecções.
  • Cuidados: Contenção adequada e manipulação cuidadosa garantem segurança para o animal e para o profissional.

2. Coleta de Urina:

  • Métodos:
    • Micção espontânea: Recolhida diretamente em um recipiente limpo.
    • Cistocentese: Punção direta da bexiga com uma agulha, usada em casos que requerem amostras estéreis.
    • Cateterismo: Introdução de um cateter na uretra, com maior cuidado em animais estressados.
  • Ética: Garantir a manipulação delicada e o uso de técnicas que minimizem o desconforto.

3. Armazenamento e Transporte:

  • As amostras devem ser armazenadas em recipientes apropriados e, em muitos casos, mantidas refrigeradas para preservar sua integridade.
  • É importante rotular corretamente cada amostra com informações do paciente e do horário da coleta.

4. Comunicação com o Tutor:

  • Explicar o processo ao tutor ajuda a reduzir a ansiedade e reforça a confiança no trabalho realizado.
  • Garantir que o tutor compreenda a necessidade do exame e como os resultados serão úteis no diagnóstico.

Conclusão

Os exames laboratoriais básicos, como hemograma, bioquímica sérica e análise de urina, desempenham um papel crucial na avaliação da saúde de cães e gatos. Sua interpretação inicial, combinada com a coleta ética e segura de amostras, permite diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes. O domínio dessas práticas é essencial para a medicina veterinária de qualidade, garantindo o bem-estar dos animais e a confiança dos tutores.


Diagnóstico por Imagem em Cães e Gatos

 

O diagnóstico por imagem é uma ferramenta

indispensável na medicina veterinária, permitindo a visualização não invasiva das estruturas internas dos animais. Os métodos mais comuns utilizados em cães e gatos são a radiografia e a ultrassonografia. Esses exames auxiliam no diagnóstico de uma ampla variedade de condições, sendo complementares ao exame clínico e aos exames laboratoriais.

Introdução à Radiografia e Ultrassonografia

Os métodos de diagnóstico por imagem possuem abordagens distintas, mas ambos são valiosos para avaliar órgãos, tecidos e ossos.

1. Radiografia (Raio-X):

A radiografia utiliza radiação ionizante para capturar imagens das estruturas internas do corpo em tons de cinza. Ossos aparecem mais brancos, enquanto tecidos moles e espaços aéreos aparecem mais escuros.

  • Vantagens: É rápida, acessível e eficaz para avaliar estruturas ósseas, pulmões e cavidades corporais.
  • Limitações: Não fornece detalhes sobre a textura dos órgãos e não diferencia bem os tecidos moles.

2. Ultrassonografia:

A ultrassonografia utiliza ondas sonoras de alta frequência para criar imagens em tempo real. É particularmente útil para avaliar tecidos moles e órgãos internos.

  • Vantagens: Permite a visualização de órgãos em movimento, como o coração e intestinos, além de guiar procedimentos como biópsias.
  • Limitações: Menos eficaz para avaliar ossos ou estruturas cheias de ar, como os pulmões.

Indicações de Cada Método para Cães e Gatos

Cada método de imagem tem suas indicações específicas, dependendo da condição suspeita e da área a ser avaliada.

Radiografia:

  • Sistema musculoesquelético: Fraturas, luxações, osteoartrite e tumores ósseos.
  • Sistema respiratório: Avaliação de pulmões para detectar pneumonia, tumores ou presença de líquidos (derrame pleural).
  • Sistema cardiovascular: Verificação do tamanho do coração em casos de suspeita de cardiomegalia.
  • Sistema digestório: Identificação de corpos estranhos, constipação ou distensão abdominal.
  • Sistema urinário: Presença de cálculos urinários visíveis (como cálculos de oxalato de cálcio).

Ultrassonografia:

  • Sistema abdominal: Avaliação de fígado, rins, baço, bexiga, intestinos e estômago. É útil para detectar massas, inflamações e líquidos livres na cavidade abdominal.
  • Sistema cardiovascular: Realização de ecocardiografia para estudar a função e estrutura do coração.
  • Gestação: Monitoramento do desenvolvimento fetal e detecção de prenhez.
  • Procedimentos guiados: Coleta de amostras (biópsias ou aspirações) de tecidos ou líquidos.

Princípios Básicos de Interpretação

A interpretação de imagens

radiográficas e ultrassonográficas requer conhecimento técnico e prática. Alguns princípios básicos podem auxiliar na análise inicial:

Radiografia:

1.     Posicionamento: Certificar-se de que o animal foi posicionado corretamente, com projeções em pelo menos dois planos (latero-lateral e ventro-dorsal/dorso-ventral).

2.     Qualidade da imagem: Avaliar a exposição e contraste da radiografia. Imagens sub expostas ou superexpostas podem dificultar a interpretação.

3.     Identificação de alterações:

o    Procurar por fraturas, desalinhamentos ou anormalidades na densidade óssea.

o    Observar alterações no tamanho e formato de órgãos, como um coração aumentado ou pulmões opacos.

4.     Comparação com referências normais: Usar valores padrão e comparar com radiografias normais para detectar desvios.

Ultrassonografia:

1.     Visualização em tempo real: Observar os órgãos em movimento para identificar alterações na textura, formato ou funcionamento.

2.     Características do tecido:

o    Hipoecóico: Estruturas escuras, como líquidos.

o    Hiperecóico: Estruturas brilhantes, como cálculos ou tecidos fibrosos.

o    Isoecóico: Tecidos com ecogenicidade semelhante.

3.     Medições: Realizar medições precisas para avaliar tamanho e volume de órgãos.

4.     Interpretação do fluxo sanguíneo: Com o Doppler, analisar o fluxo sanguíneo em vasos e coração.

Conclusão

O diagnóstico por imagem desempenha um papel crucial na prática veterinária, permitindo a avaliação detalhada de várias condições clínicas em cães e gatos. A radiografia é mais indicada para sistemas ósseos e cavidades corporais, enquanto a ultrassonografia é ideal para avaliar tecidos moles e órgãos abdominais. Dominar os princípios de interpretação dessas imagens e escolher o método apropriado são habilidades indispensáveis para o veterinário, garantindo diagnósticos precisos e tratamentos eficazes para os pacientes.

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