Noções Básicas em Saúde Pública e PSF

NOÇÕES BÁSICAS EM SAÚDE PÚBLICA E PSF

Fundamentos da Saúde Pública no Brasil 

Conceitos Básicos de Saúde Pública

 

1. Introdução

A Saúde Pública constitui um campo do conhecimento e da prática voltado à proteção e à promoção da saúde coletiva por meio de ações organizadas do Estado e da sociedade. No Brasil, com a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), a Saúde Pública passou a ter papel central na garantia do direito à saúde, promovendo estratégias de equidade, prevenção de doenças e vigilância em saúde. Para compreender a amplitude deste campo, é necessário entender seus fundamentos, como a distinção entre Saúde Pública e Saúde Coletiva, os determinantes sociais da saúde e a importância dos indicadores epidemiológicos e da vigilância sanitária.

2. Saúde Pública x Saúde Coletiva

Embora muitas vezes usados como sinônimos, os termos “Saúde Pública” e “Saúde Coletiva” possuem distinções importantes. A Saúde Pública, tradicionalmente, está associada à atuação estatal na prevenção de doenças e promoção de condições sanitárias adequadas à população. É uma área mais institucionalizada, com foco na organização de serviços, campanhas de vacinação, controle de endemias, saneamento básico, entre outras ações.

Por outro lado, a Saúde Coletiva surgiu no Brasil nas décadas de 1970 e 1980 como um campo crítico e teórico-prático que amplia a abordagem da saúde além do modelo biomédico, incorporando aspectos políticos, sociais e culturais. Ela questiona os determinantes sociais das doenças e propõe uma concepção ampliada de saúde como resultado das condições de vida e trabalho.

Em suma, a Saúde Pública se refere à prática estatal organizada de proteger a saúde da população, enquanto a Saúde Coletiva é um campo acadêmico-científico que incorpora uma crítica ao modelo tradicional, propondo novos paradigmas de cuidado e organização do sistema de saúde.

3. Determinantes Sociais da Saúde

Os determinantes sociais da saúde (DSS) são fatores socioeconômicos, ambientais, culturais e comportamentais que influenciam a saúde das pessoas e das populações. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define os DSS como “as condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, incluindo o sistema de saúde”. Estes determinantes estão distribuídos de forma desigual, resultando em iniquidades em saúde.

Entre os principais determinantes sociais destacam-se: renda, educação, ocupação, acesso aos serviços de saúde, habitação, saneamento, alimentação e contexto social e político. Por

exemplo, indivíduos com menor escolaridade ou que vivem em áreas sem saneamento básico tendem a apresentar piores indicadores de saúde.

A compreensão dos DSS é fundamental para a formulação de políticas públicas intersetoriais e para a promoção da equidade. A abordagem dos determinantes rompe com a lógica reducionista de que as doenças são apenas decorrentes de escolhas individuais, reconhecendo o papel das estruturas sociais na determinação do processo saúde-doença.

4. Indicadores Epidemiológicos

Os indicadores epidemiológicos são ferramentas essenciais para descrever, analisar e interpretar os padrões de saúde e doença em populações. Eles orientam ações de prevenção, controle e avaliação de políticas públicas.

Os principais tipos de indicadores incluem:

· Morbidade: frequência de doenças em uma população (ex.: taxa de incidência, taxa de prevalência).

· Mortalidade: frequência de óbitos (ex.: taxa de mortalidade geral, mortalidade infantil).

· Fatores de risco: prevalência de comportamentos ou exposições associados a doenças (ex.: tabagismo, sedentarismo).

· Cobertura de serviços: acesso e utilização dos serviços de saúde (ex.: cobertura vacinal, número de consultas pré-natal).

Esses indicadores permitem monitorar tendências ao longo do tempo, identificar grupos vulneráveis e avaliar o impacto de intervenções em saúde. São também fundamentais para subsidiar o planejamento e a tomada de decisão em Saúde Pública.

5. Vigilância em Saúde

A vigilância em saúde compreende um conjunto de ações que visam identificar, monitorar e intervir sobre problemas de saúde na população. No Brasil, ela é organizada em quatro grandes áreas:

· Vigilância Epidemiológica: monitora a ocorrência de doenças transmissíveis e agravos à saúde, como surtos de dengue, casos de tuberculose, HIV/AIDS e eventos adversos.

· Vigilância Sanitária: regula e fiscaliza produtos, serviços e ambientes que possam afetar a saúde, como alimentos, medicamentos, hospitais e cosméticos.

· Vigilância Ambiental: monitora fatores do meio ambiente que influenciam a saúde humana, como qualidade da água, do ar, resíduos sólidos e vetores.

· Vigilância da Saúde do Trabalhador: acompanha os riscos ocupacionais e agravos relacionados ao trabalho.

Essas áreas trabalham de forma articulada para produzir informações e intervenções que protejam a saúde da população, sendo parte essencial da atuação da atenção básica e da gestão em saúde.

6. Considerações Finais

O entendimento dos conceitos básicos de Saúde Pública é indispensável

para qualquer profissional da área da saúde. A distinção entre Saúde Pública e Saúde Coletiva, a centralidade dos determinantes sociais e o uso estratégico dos indicadores epidemiológicos e da vigilância em saúde contribuem para a formulação de políticas mais justas, eficazes e sustentáveis. Em um cenário de profundas desigualdades sociais, a atuação informada e crítica em Saúde Pública é uma ferramenta de transformação social e promoção da equidade.

Referências Bibliográficas

· BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

· BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 41, n. 4, p. 537-541, 2007.

· PAIM, J.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas?. Revista Saúde Pública, v. 32, n. 4, p. 299-316, 1998.

· OMS – Organização Mundial da Saúde. Determinantes Sociais da Saúde: fatos essenciais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010.

· TEIXEIRA, C. F.; PINTO, I. C. M. Saúde coletiva: uma história recente de longa trajetória. Physis, v. 15, n. 1, p. 13-38, 2005.

· ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia e Saúde. 8. ed. Rio de Janeiro: MedBook, 2018.


Histórico da Saúde Pública Brasileira

 

1. Introdução

O desenvolvimento da saúde pública no Brasil reflete as transformações políticas, sociais e econômicas do país ao longo dos séculos. Da assistência rudimentar nos tempos coloniais até a construção do Sistema Único de Saúde (SUS), o percurso revela a progressiva consolidação do direito à saúde como política de Estado. Este texto apresenta uma visão panorâmica sobre o histórico da saúde pública brasileira, destacando os principais marcos desde a Era Colonial até a criação do SUS e as legislações fundamentais que o sustentam.

2. Da Era Colonial ao Período Republicano

Na época da colonização portuguesa (séculos XVI a XVIII), não existia uma política estruturada de saúde pública. O atendimento médico era limitado e concentrado em ações pontuais voltadas aos militares, religiosos e colonizadores. As condições sanitárias eram precárias, o que favorecia a disseminação de doenças infecciosas como varíola, febre amarela e malária.

Com o surgimento das primeiras Santas Casas de Misericórdia, inspiradas por instituições portuguesas, começou a se formar uma rede rudimentar de assistência hospitalar voltada à caridade. Durante o Império (século XIX), a preocupação com o controle de epidemias nas cidades portuárias

ento das primeiras Santas Casas de Misericórdia, inspiradas por instituições portuguesas, começou a se formar uma rede rudimentar de assistência hospitalar voltada à caridade. Durante o Império (século XIX), a preocupação com o controle de epidemias nas cidades portuárias e a higienização urbana se intensificou, impulsionada pelo aumento das trocas comerciais e pelo crescimento populacional.

O surgimento das primeiras campanhas sanitárias nacionais ocorreu já no início da República, com destaque para a atuação de Oswaldo Cruz, diretor do então Instituto Soroterápico Federal (atual Fiocruz), nas ações de combate à febre amarela, peste bubônica e varíola no início do século XX.

3. As Reformas Sanitárias e o Modelo Médico-Hospitalocêntrico

No decorrer do século XX, especialmente durante os governos autoritários (como o Estado Novo e o regime militar), a saúde foi concebida majoritariamente como questão técnica, desvinculada das causas sociais da doença. O modelo médico-assistencial privatista consolidou-se, caracterizado pela centralização dos recursos nos grandes centros urbanos, ênfase no hospital e escassa atuação em promoção e prevenção.

Na década de 1970, surgem as primeiras críticas a esse modelo, impulsionadas por intelectuais, sanitaristas e movimentos sociais que propunham uma abordagem mais ampla e democrática da saúde. É nesse contexto que emerge o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que defendia a universalização da saúde, a integração entre ações curativas e preventivas, e a descentralização administrativa.

4. A 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986)

A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, representou um marco decisivo na história da saúde pública no Brasil. Foi a primeira conferência aberta à ampla participação da sociedade civil, profissionais da saúde, gestores e representantes dos movimentos sociais.

Durante esse encontro, consolidou-se a concepção de saúde como um direito de todos e dever do Estado. Os debates giraram em torno da ampliação da cobertura, do fortalecimento da atenção primária, da municipalização dos serviços e do controle social das políticas públicas.

A 8ª Conferência foi também precursora das ideias que viriam a compor os dispositivos constitucionais da saúde e, posteriormente, as leis que regulamentariam o SUS. Ela lançou os pilares da saúde enquanto política pública estruturante, com foco na equidade, universalidade e integralidade do cuidado.

5. Constituição de 1988 e a Criação do SUS

Com a promulgação da

Constituição Federal de 1988, o direito à saúde foi finalmente reconhecido como um direito de cidadania. No artigo 196, estabelece-se que:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Este princípio deu origem ao Sistema Único de Saúde (SUS), concebido como um sistema público e descentralizado, com gestão tripartite (União, estados e municípios), fundamentado nos princípios da universalidade, equidade e integralidade.

A criação do SUS representou uma ruptura com o modelo anterior, que limitava o acesso à saúde aos trabalhadores formalizados por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Agora, toda a população brasileira passou a ter acesso aos serviços de saúde, independentemente de vínculo empregatício ou contribuição previdenciária.

6. Leis Orgânicas da Saúde: 8.080/1990 e 8.142/1990

Para regulamentar o SUS, foram sancionadas duas leis fundamentais:

· Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde): estabelece os fundamentos, a organização e o funcionamento do SUS. Define os princípios e diretrizes, as competências das três esferas de governo, o conceito ampliado de saúde, e os instrumentos de planejamento e execução das ações e serviços. Também reforça a atenção integral, a descentralização e a participação da comunidade.

· Lei nº 8.142/1990: complementa a primeira ao tratar da participação da comunidade, por meio das conferências e conselhos de saúde, e do financiamento do SUS, estabelecendo regras para a transferência intergovernamental de recursos.

Essas leis são a base legal da política pública de saúde brasileira e permanecem como referência até os dias atuais.

7. Considerações Finais

O percurso histórico da saúde pública brasileira evidencia uma lenta, porém significativa, construção de um sistema universal e inclusivo. A criação do SUS representou uma vitória das lutas sociais e um avanço civilizatório ao assegurar o acesso à saúde como direito de cidadania. Entretanto, os desafios persistem: financiamento insuficiente, desigualdades regionais, precarização do trabalho e disputas político-ideológicas. Conhecer essa trajetória é essencial para valorizar o SUS e fortalecer seu papel estratégico na promoção da saúde e da equidade social.

Referências Bibliográficas

· BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

derativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

· BRASIL. Lei Orgânica da Saúde: Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90. Brasília: Ministério da Saúde, 2000.

· PAIM, J. S. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

· ESCOREL, S. Reviravolta na Saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.

· TEIXEIRA, S. F.; COIMBRA, C. M. História da saúde pública no Brasil: uma trajetória de avanços e desafios. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 6, p. 2931-2940, 2010.

· LUZ, M. T. Natural, racional, científico: o pensamento médico moderno no século XIX. Rio de Janeiro: Graal, 1988.


O Sistema Único de Saúde (SUS)

 

1. Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) é a maior política pública de saúde da história do Brasil e um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Criado pela Constituição Federal de 1988, o SUS concretiza o princípio de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Ele atende de forma gratuita mais de 190 milhões de brasileiros, abrangendo desde ações simples, como vacinação e consultas, até procedimentos de alta complexidade, como transplantes e tratamentos oncológicos. Este texto apresenta os fundamentos filosóficos e operacionais do SUS, com destaque para seus princípios, diretrizes e estrutura organizacional.

2. Princípios do SUS

O SUS é sustentado por três princípios doutrinários, que expressam a base filosófica e ideológica do sistema:

a) Universalidade

O princípio da universalidade estabelece que todas as pessoas têm direito ao acesso aos serviços de saúde, independentemente de classe social, vínculo empregatício, raça, sexo ou nacionalidade. Esse princípio rompe com o modelo anterior, em que o acesso à saúde pública estava vinculado à contribuição previdenciária.

b) Equidade

A equidade visa reduzir desigualdades no acesso aos serviços de saúde por meio da oferta proporcional às necessidades específicas de cada indivíduo ou grupo populacional. Ao contrário da igualdade, que pressupõe tratar todos da mesma forma, a equidade reconhece que alguns grupos necessitam de mais atenção (ex.: indígenas, populações ribeirinhas, pessoas com deficiência).

c) Integralidade

A integralidade refere-se à atenção plena às necessidades de saúde da população, articulando ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Esse princípio impõe uma abordagem que vai além do tratamento de doenças, incluindo as condições sociais e ambientais que impactam a saúde.

3. Diretrizes Operacionais

Além dos

princípios doutrinários, o SUS é guiado por diretrizes operacionais, que definem sua forma de organização e funcionamento:

a) Descentralização

Refere-se à transferência de responsabilidades da União para estados e municípios, conferindo maior autonomia aos entes locais para gerir os serviços de saúde. A descentralização busca aproximar a gestão das reais necessidades da população, promovendo eficiência e controle social.

b) Regionalização e Hierarquização

A regionalização implica a organização dos serviços de saúde em regiões de saúde, com base em critérios geográficos, populacionais e de oferta de serviços.

Já a hierarquização envolve a distribuição dos serviços em níveis de complexidade crescente (atenção básica, média e alta complexidade), garantindo um fluxo coerente de atendimento.

c) Participação Social

A participação da comunidade é garantida por conselhos e conferências de saúde, em todas as esferas de governo. Essa diretriz assegura o controle social das ações e serviços do SUS, permitindo que a sociedade acompanhe, fiscalize e contribua na formulação das políticas públicas.

4. Estrutura Organizacional do SUS

A estrutura organizacional do SUS foi desenhada para promover um modelo de gestão cooperativa entre os entes federativos e para garantir o acesso igualitário a todos os cidadãos. Os principais componentes dessa estrutura são:

a) Municipalização

A municipalização é a base da descentralização do SUS, atribuindo aos municípios a responsabilidade direta pela gestão da atenção básica (postos de saúde, programas de saúde da família, vacinação, controle de endemias). A gestão municipal favorece o planejamento territorializado e a resolução de problemas locais com maior agilidade.

b) Pactuação Interfederativa

A gestão do SUS ocorre de forma tripartite (União, estados e municípios), por meio de pactos formais de gestão.

Os gestores se reúnem em comissões bipartites (estado e municípios) e tripartites (União, estados e municípios) para definir metas, prioridades, critérios de financiamento e distribuição de responsabilidades. A pactuação promove a corresponsabilização e o planejamento conjunto.

c) Regiões de Saúde

As Regiões de Saúde são espaços territoriais delimitados com o objetivo de garantir a integralidade da atenção à saúde da população local, considerando fluxos assistenciais, recursos disponíveis e articulação entre os níveis de atenção. Cada região deve conter uma rede articulada de serviços, incluindo unidades de atenção primária, hospitais, laboratórios e

centros de especialidades.

5. Financiamento e Desafios

O SUS é financiado com recursos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, conforme as regras estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 29/2000, posteriormente regulamentada pela Lei Complementar nº 141/2012. Entretanto, o subfinanciamento crônico do sistema é um dos seus maiores desafios, agravado por cortes orçamentários e pela Emenda Constitucional nº 95/2016 (teto de gastos).

Além do financiamento, o SUS enfrenta obstáculos relacionados à má gestão, à desigualdade regional na distribuição de serviços, à baixa valorização dos profissionais e à sobrecarga das unidades públicas. Apesar disso, o SUS tem se mostrado resiliente, como evidenciado durante a pandemia de COVID-19, quando foi o principal responsável pela coordenação da vigilância, testagem e vacinação em massa da população.

6. Considerações Finais

O SUS é uma conquista histórica do povo brasileiro e um dos maiores símbolos da luta por justiça social no país. Seus princípios e diretrizes consagram um modelo de saúde público, gratuito, descentralizado e participativo. No entanto, sua consolidação plena depende de investimentos adequados, fortalecimento da gestão, valorização do controle social e resistência às tentativas de desmonte. Compreender o funcionamento e os fundamentos do SUS é essencial para defendê-lo como um bem coletivo e uma ferramenta de equidade e cidadania.

Referências Bibliográficas

· BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

· BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, 1990.

· BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Participação da comunidade e transferências intergovernamentais.

· PAIM, J. S. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

· GIovanella, L. et al. Política e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2017.

· TEIXEIRA, C. F.; PINTO, I. C. M. SUS: avanços, impasses e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 47-55, 2009.

· VIEIRA, F. S. Gastos públicos com saúde: breve histórico, situação atual e perspectivas. Brasília: IPEA, 2016.


Financiamento e Controle Social no Sistema Único de Saúde (SUS)

 

1. Introdução

A consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, desde sua criação pela Constituição Federal de 1988, depende de dois pilares fundamentais para sua sustentação: o financiamento público adequado e o controle social efetivo. Enquanto o financiamento garante

os meios materiais e humanos para o funcionamento do sistema, o controle social assegura a participação da população na formulação, fiscalização e avaliação das políticas públicas de saúde. A articulação entre esses dois eixos fortalece a legitimidade democrática do SUS e é essencial para a promoção da equidade, da transparência e da responsabilidade pública na gestão da saúde.

2. O Financiamento do SUS

2.1 Evolução histórica

Antes da criação do SUS, os serviços públicos de saúde no Brasil estavam restritos principalmente aos trabalhadores com vínculo formal de trabalho, por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Com a Constituição de 1988, o acesso à saúde passou a ser direito universal, o que exigiu a ampliação da base de financiamento para garantir atendimento a toda a população.

Emenda Constitucional nº 29/2000 estabeleceu critérios mínimos de aplicação de recursos em saúde por parte da União, estados e municípios. Em 2012, a Lei Complementar nº 141 regulamentou essa emenda, definindo normas claras para o cálculo de investimentos, transparência e fiscalização.

No entanto, com a Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu um teto para os gastos públicos por 20 anos, o financiamento da saúde sofreu forte impacto. A medida congelou os gastos federais em saúde com base no valor de 2017, ajustado apenas pela inflação, desconsiderando o crescimento populacional, o envelhecimento da população e a complexificação dos serviços.

2.2 Fontes de financiamento

O SUS é financiado de forma tripartite:

· União: responsável por repasses aos estados e municípios, financiamento de programas estratégicos e custeio da média e alta complexidade;

· Estados: devem aplicar no mínimo 12% da receita corrente líquida em ações e serviços públicos de saúde;

· Municípios: obrigados a investir no mínimo 15% da receita corrente líquida.

Apesar da previsão legal, muitos entes federativos enfrentam dificuldades em cumprir suas obrigações, o que agrava as desigualdades regionais e prejudica a universalização dos serviços.

2.3 Desafios do financiamento

Os principais desafios enfrentados pelo financiamento do SUS incluem:

· Subfinanciamento crônico, agravado por políticas de austeridade fiscal;

· Desigualdade na distribuição dos recursos, com concentração nos grandes centros urbanos;

· Fragmentação dos repasses, dificultando o planejamento de médio e longo prazo;

· Dependência de emendas parlamentares, que podem distorcer prioridades locais.

A garantia do

direito à saúde exige o aumento dos investimentos públicos, bem como a adoção de mecanismos de financiamento estáveis, progressivos e vinculados às reais necessidades da população.

3. O Controle Social no SUS

3.1 Fundamentos e objetivos

O controle social no SUS é o exercício da cidadania por meio da participação da sociedade na formulação, acompanhamento, avaliação e fiscalização das políticas públicas de saúde. Está previsto na Constituição Federal (artigo 198) e regulamentado pela Lei nº 8.142/1990.

Essa participação garante que os usuários do sistema, os trabalhadores da saúde, os gestores e os prestadores de serviço atuem de forma conjunta, democrática e transparente, possibilitando o aperfeiçoamento contínuo da política de saúde.

3.2 Instâncias de controle social

As duas principais instâncias de participação institucionalizada no SUS são:

· Conferências de Saúde: realizadas a cada quatro anos nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal). Têm caráter deliberativo e são espaços de debate amplo sobre os rumos da política de saúde;

· Conselhos de Saúde: são permanentes e paritários, compostos por representantes do governo, dos trabalhadores da saúde, dos prestadores de serviço e da sociedade civil. Reúnem-se periodicamente para fiscalizar a execução das políticas de saúde e deliberar sobre questões relevantes à gestão do SUS.

A composição dos conselhos deve garantir a representação majoritária de usuários (50%), conforme estabelece a legislação vigente. Essa estrutura visa promover a equidade nas decisões e o comprometimento com os princípios do SUS.

3.3 Limites e desafios

Embora o controle social seja um dos pilares do SUS, sua efetividade enfrenta diversas dificuldades:

· Desconhecimento da população sobre seus direitos e formas de participação;

· Falta de formação técnica dos conselheiros para análise de planos e orçamentos;

· Desarticulação entre os conselhos e os gestores públicos;

· Instrumentalização política de espaços participativos.

Para fortalecer o controle social, é necessário investir na formação continuada dos conselheiros, na ampliação da transparência pública (como portais de gastos e indicadores) e na valorização da participação como elemento estruturante da gestão pública.

4. Inter-relação entre Financiamento e Controle Social

O financiamento e o controle social são dimensões complementares e indissociáveis da governança do SUS. A gestão democrática dos recursos públicos exige a atuação conjunta da população na definição de prioridades e

na definição de prioridades e na fiscalização dos gastos.

O orçamento público em saúde deve ser construído de forma participativa, com base nas deliberações das conferências e nos planos de saúde aprovados pelos conselhos. Assim, a transparência orçamentária não apenas assegura o uso adequado dos recursos, mas também estimula o engajamento cidadão e a corresponsabilidade na defesa do SUS.

Além disso, o fortalecimento do controle social contribui para denunciar desvios, combater a corrupção, prevenir desperdícios e garantir o alinhamento dos investimentos às necessidades reais da população.

5. Considerações Finais

O SUS representa um marco civilizatório na história das políticas públicas brasileiras, mas sua sustentabilidade está diretamente vinculada à garantia de financiamento público adequado e ao fortalecimento das instâncias de controle social. O subfinanciamento e o esvaziamento da participação popular comprometem os avanços conquistados e agravam as desigualdades no acesso à saúde.

Assim, é urgente a mobilização da sociedade para reivindicar maior investimento em saúde, exigir transparência na aplicação dos recursos e participar ativamente da construção coletiva de um sistema público mais justo, equitativo e universal.

Referências Bibliográficas

· BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

· BRASIL. Lei nº 8.080/1990. Lei Orgânica da Saúde. Diário Oficial da União, 1990.

· BRASIL. Lei nº 8.142/1990. Participação da comunidade e transferências intergovernamentais.

· BRASIL. Lei Complementar nº 141/2012. Dispõe sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, estados, Distrito Federal e municípios em ações e serviços públicos de saúde.

· PAIM, J. S. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

· VIEIRA, F. S. Gastos públicos com saúde: breve histórico, situação atual e perspectivas. Brasília: IPEA, 2016.

· GIovanella, L. et al. Política e Gestão em Saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2017.

· LIMA, L. D.; VIANA, A. L. D.; MACHADO, C. V. Participação e controle social no SUS: avanços e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n. 10, p. 2753-2762, 2015.

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