COLETA DE SANGUE
Biossegurança e Controle de Infecções
A biossegurança é um conjunto de ações voltadas à prevenção, controle e eliminação de riscos biológicos que possam comprometer a saúde de profissionais, pacientes, comunidade e meio ambiente. No contexto laboratorial e da coleta de sangue, a adoção dos princípios de biossegurança é essencial para garantir um ambiente seguro e para minimizar os riscos de contaminação por agentes infecciosos.
O conceito de biossegurança baseia-se na ideia de proteção integral dos trabalhadores e da população, por meio da identificação, avaliação e controle de riscos biológicos, químicos, físicos e ergonômicos nos ambientes de saúde. No âmbito laboratorial, a biossegurança busca assegurar que todas as atividades sejam realizadas com o menor risco possível de exposição a materiais potencialmente contaminantes.
Riscos biológicos são definidos como a possibilidade de exposição a microrganismos patogênicos, como bactérias, vírus, fungos e parasitas. Esses agentes podem estar presentes no sangue, nas secreções, em fluidos corporais ou em superfícies contaminadas. A exposição a esses riscos pode ocorrer por contato direto, aerossóis, perfurações com agulhas contaminadas, respingos em mucosas ou através de objetos contaminados.
A biossegurança, portanto, não se limita a normas de conduta, mas compreende também a estrutura física, os equipamentos utilizados, o treinamento contínuo e a cultura de responsabilidade entre os profissionais de saúde.
Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são fundamentais para a proteção do trabalhador durante os procedimentos que envolvem risco biológico, como a coleta de sangue. São considerados barreiras físicas que impedem ou minimizam o contato direto com agentes infecciosos.
Os principais EPIs utilizados durante a coleta de sangue incluem:
· Luvas descartáveis: protegem as mãos do contato com sangue e outros fluidos. Devem ser usadas durante todo o procedimento e descartadas imediatamente após o uso.
· Máscara cirúrgica: reduz o risco de contaminação por gotículas respiratórias e protege as vias aéreas superiores.
· Protetor facial ou óculos de proteção: protege os olhos contra respingos acidentais de sangue ou outros líquidos biológicos.
· Avental descartável ou jaleco de manga longa: evita a contaminação da pele e das roupas.
· Touca e propé (quando indicados): utilizados em ambientes controlados, como
laboratórios de maior risco ou salas cirúrgicas.
O uso correto dos EPIs deve seguir uma sequência lógica de colocação e retirada, evitando a autoinoculação. Além disso, a higienização das mãos antes e após o uso dos EPIs é indispensável, conforme orientações das normas sanitárias.
Os agentes biológicos são classificados em quatro níveis de risco, conforme sua periculosidade, forma de transmissão e possibilidade de prevenção e tratamento:
1. Risco 1: agentes com baixa probabilidade de causar doença em humanos saudáveis (ex.: Lactobacillus spp.).
2. Risco 2: agentes que podem causar doenças, mas com tratamento eficaz disponível (ex.: Staphylococcus aureus, vírus da hepatite A).
3. Risco 3: agentes que podem causar doenças graves e transmissão por via aérea ou gotículas, com risco significativo para o profissional (ex.: HIV, HBV, HCV, Mycobacterium tuberculosis).
4. Risco 4: agentes altamente patogênicos, frequentemente letais, sem tratamento específico (ex.: vírus Ebola, Marburg).
Na prática clínica e laboratorial, especialmente durante a coleta de sangue, aplica-se o princípio das precauções padrão. Isso significa que todos os pacientes devem ser considerados como potenciais fontes de infecção, independentemente de diagnóstico conhecido. Essa abordagem universal implica no uso sistemático de EPIs, na higienização das mãos, na desinfecção de superfícies, na manipulação segura de materiais perfurocortantes e na eliminação adequada dos resíduos.
As precauções padrão são a base da biossegurança em serviços de saúde e representam o compromisso ético e profissional com a proteção coletiva.
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Biossegurança em Serviços de Saúde. Brasília: MS, 2006.
2. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 222/2018. Requisitos para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde.
3. HARMON, A. M. Phlebotomy Essentials. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2020.
4. LIMA, M. F. et al. Manual de coleta de materiais biológicos para exames laboratoriais. São Paulo: Sarvier, 2018.
5. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Laboratory Biosafety Manual. 3rd ed. Geneva: WHO, 2004.
Profissionais da saúde, especialmente aqueles que realizam procedimentos de coleta de sangue, estão expostos diariamente a riscos biológicos decorrentes do contato com sangue e outros fluidos corporais. Entre esses riscos, destacam-se os acidentes com materiais
perfurocortantes, que podem resultar na transmissão de agentes infecciosos como os vírus da hepatite B (HBV), hepatite C (HCV) e da imunodeficiência humana (HIV). A adoção de condutas preventivas, protocolos de resposta rápida e programas de imunização são fundamentais para a proteção dos trabalhadores da saúde.
A exposição ocupacional a sangue pode ocorrer por contato com mucosas, pele não íntegra (feridas ou dermatites), respingos ou perfurações com objetos contaminados. Diante de uma exposição acidental, é essencial adotar medidas imediatas e seguir os protocolos institucionais. As principais condutas incluem:
2. Lavar a área atingida com água e sabão neutro, sem friccionar com escovas ou substâncias irritantes;
3. Em caso de exposição ocular ou mucosa, lavar abundantemente com soro fisiológico ou água corrente;
4. Notificar o acidente imediatamente à chefia ou setor responsável (como o Serviço de Saúde Ocupacional);
5. Dirigir-se o mais breve possível ao serviço de referência para avaliação do risco e início da profilaxia pós-exposição (PEP), quando indicada;
6. Realizar coleta de sangue para testagem sorológica basal (HIV, HBV, HCV), tanto do acidentado quanto, quando possível, da fonte.
A profilaxia pós-exposição deve ser iniciada idealmente em até 2 horas após o acidente, e no máximo em 72 horas, especialmente em casos de risco para HIV. Para exposição ao vírus da hepatite B, a conduta dependerá do esquema vacinal prévio do trabalhador e da resposta imunológica (nível de anticorpos anti-HBs).
Os acidentes com perfurocortantes correspondem à principal via de exposição ocupacional a agentes biológicos. Eles ocorrem, geralmente, durante ou após procedimentos como punções venosas, descarte inadequado de agulhas ou manipulação de instrumentos cortantes contaminados.
As principais causas desses acidentes incluem:
· Reencapar agulhas manualmente (prática proibida);
· Descarte em local inadequado;
· Falta de atenção ou sobrecarga de trabalho;
· Inexistência ou má utilização dos coletores de materiais perfurocortantes.
A prevenção exige adoção de boas práticas como:
· Não reencapar, entortar ou quebrar agulhas após o uso;
· Utilizar agulhas com dispositivos de segurança, quando disponíveis;
· Descartar os materiais imediatamente após o uso, em coletores rígidos e apropriados, sem ultrapassar 2/3 de sua capacidade;
· Utilizar sempre luvas de procedimento, embora
estas não previnam perfurações, elas reduzem o volume de sangue transferido e ajudam a evitar outros tipos de contaminação;
· Garantir a capacitação contínua da equipe, promovendo uma cultura de biossegurança.
A vacinação é uma das principais medidas preventivas contra infecções ocupacionais. Todo profissional da saúde deve ser incluído em um programa de imunização conforme as recomendações do Ministério da Saúde e da ANVISA, especialmente no que se refere às doenças transmissíveis por sangue.
As vacinas obrigatórias ou altamente recomendadas para trabalhadores da saúde incluem:
· Hepatite B: três doses, com verificação da soroconversão (anti-HBs
≥ 10 mUI/mL). A vacina é altamente eficaz na prevenção da infecção pelo HBV.
· dT (difteria e tétano): esquema de três doses com reforço a cada 10 anos.
· Influenza (gripe): dose anual, principalmente em profissionais que atuam com grupos vulneráveis.
· Covid-19: conforme calendários atualizados de reforço.
· Outras vacinas podem ser indicadas conforme o risco epidemiológico, como tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e varicela.
É responsabilidade das instituições de saúde oferecer gratuitamente essas vacinas aos seus colaboradores, manter registros atualizados e orientar sobre a importância da adesão ao programa de imunização.
A proteção dos trabalhadores da saúde não é apenas uma obrigação ética e legal, mas também uma estratégia essencial para a qualidade e segurança da assistência prestada à população.
Referências Bibliográficas
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. 9. ed. Brasília: MS, 2010.
2. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Recomendações para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de Risco à Infecção pelo HIV, IST e Hepatites Virais. Brasília: MS, 2021.
3. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 222/2018. Requisitos para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde.
4. BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Técnica sobre Vacinação do Trabalhador de Saúde. Brasília: MS, 2019.
5. HARMON, A. M. Phlebotomy Essentials. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2020.
A higienização adequada das mãos e do local de punção é uma das práticas mais eficazes na prevenção de infecções e na promoção da biossegurança nos serviços de saúde. Durante a coleta de sangue, a aplicação rigorosa dos princípios de antissepsia e o controle da contaminação cruzada são essenciais para proteger tanto o paciente quanto o profissional
da saúde.
A lavagem das mãos é considerada a medida mais importante na prevenção da transmissão de microrganismos. Deve ser realizada antes e após cada contato com o paciente, antes de colocar e após retirar luvas, após o contato com sangue, fluidos corporais, superfícies contaminadas ou equipamentos.
Existem dois tipos principais de higienização das mãos:
· Higienização com água e sabão: indicada quando há sujeira visível, após uso do banheiro, contato com secreções e antes de refeições. Deve durar de 40 a 60 segundos, com fricção adequada de todas as áreas das mãos.
· Higienização com preparação alcoólica (álcool a 70%): recomendada na ausência de sujidade visível e deve durar entre 20 e 30 segundos. É eficaz contra a maioria dos microrganismos, sendo prática e rápida para uso frequente.
A utilização correta de antissépticos também se estende a outras superfícies e objetos no ambiente de coleta, contribuindo para a redução da carga microbiana e prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde.
A antissepsia da pele no local da punção é indispensável para evitar a introdução de microrganismos na corrente sanguínea durante a coleta. O procedimento padrão consiste na aplicação de álcool etílico a 70%, utilizando algodão ou gaze, com movimentos circulares de dentro para fora.
É importante respeitar os seguintes cuidados:
· O local da punção deve estar visivelmente limpo e seco.
· A fricção deve ser suave, mas eficaz, cobrindo toda a área ao redor da veia.
· O álcool deve secar naturalmente, sem soprar ou abanar, pois o tempo de contato é fundamental para a eficácia da ação antisséptica.
· Não tocar o local após a antissepsia. Caso ocorra contato ou contaminação, a antissepsia deve ser refeita.
Em alguns contextos clínicos, outros antissépticos, como a clorexidina a 2% alcoólica, podem ser utilizados, especialmente quando há maior risco de infecção, como em coletas hospitalares ou em pacientes imunossuprimidos. A escolha do antisséptico deve considerar eficácia, tolerância do paciente e protocolo institucional.
A contaminação cruzada ocorre quando microrganismos são transferidos de um paciente, superfície ou equipamento para outro paciente, geralmente por meio das mãos, instrumentos ou materiais reutilizados sem adequada desinfecção. Essa transmissão pode ser direta ou indireta e representa um risco significativo para surtos e infecções em ambientes
de um paciente, superfície ou equipamento para outro paciente, geralmente por meio das mãos, instrumentos ou materiais reutilizados sem adequada desinfecção. Essa transmissão pode ser direta ou indireta e representa um risco significativo para surtos e infecções em ambientes de saúde.
Para o controle da contaminação cruzada, devem ser observadas as seguintes práticas:
· Troca de luvas e materiais descartáveis a cada paciente.
· Desinfecção de superfícies (bancadas, cadeiras, suportes) entre atendimentos com produtos aprovados.
· Organização e separação dos materiais limpos e contaminados na bancada de trabalho.
· Descarte correto de resíduos e objetos perfurocortantes.
· Uso de EPIs adequados conforme o risco de exposição.
· Educação contínua da equipe quanto às práticas de controle de infecção.
A adoção sistemática dessas práticas reflete o compromisso com a qualidade, segurança e ética no atendimento ao paciente. A cultura da biossegurança deve ser fortalecida constantemente por meio de treinamentos, protocolos claros e supervisão institucional.
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Higienização das Mãos em Serviços de Saúde. Brasília: MS, 2007.
2. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do Paciente em Serviços de Saúde: Higienização das Mãos. Brasília: ANVISA, 2013.
3. HARMON, A. M. Phlebotomy Essentials. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2020.
4. LIMA, M. F. et al. Manual de Coleta de Materiais Biológicos para Exames Laboratoriais. São Paulo: Sarvier, 2018.
5. BRASIL. Ministério da Saúde. Biossegurança em Serviços de Saúde. Brasília: MS, 2006.